… Shopping… ping… ping… ping...
meu avô materno era paneiro,
oriundo da Beira Litoral, zona de Tomar,
aldeola tão pequenina, Ribeira Velha,
Figueiró dos Vinhos, Pombal,
tal como a minha avó, gente de têmpera,
Maria Rosa, filha mais velha de pais defuntos,
como uma pinha, todos juntos,
fazendo pela vida, vendendo por aí abaixo,
com macho atrelado a carroça, por montes e vales,
de terra em terra,
tinha um irmão que não escapou à guerra,
aldeolas perdidas na planura alentejana,
anos a fio, sem descanso, arrostando inclemências,
fazia seu comércio,
fazendo frente a calores intensos,
frios de rapar,
vendendo a esperto, néscio,
acaudalado, pobretana,
clientela de ocasião, com regateio,
sem chicana,
acautelando seus pertences
de gentes que se adonavam do alheio,
tempo de penúrias, de ratinhos, de ganhões,
pistola para defesa pessoal,
latifúndios, servidões,
garrafita de aguardente, um golito para aquecer,
num desafio, sem receio,
... meu avô paterno era trabalhador rural,
tal como a mulher, minha avó Antónia,
tarefas várias, ferramentas humildes de tudo,
aldeia pequenita, também,
de S. Bento do Cortiço, arredores de Estremoz,
regos na terra, serviços nas eiras, entre olivais,
ceifas, mondas, agruras sofridas,
clima adverso, pastoreio de animais,
foram-se desenvolvendo, criando rebentos,
numa mão quase cheia, sem futuro,
casando com iguais, vestindo farda,
servindo numa tasca, mais tarde, viajante,
sendo caixeiro em terra distante,
caprichando no ofício, fazendo olhinhos,
apaixonando pela que seria, minha mãe,
sua mulher,
alentejanos também,
andando de vila em vila,
regressando ao torrão,
como quem quer, não quer,
sendo sócio de sobrinho do patrão,
com separação,
estabelecimento por conta própria, pois então,
destes dois ramos, avós conhecidos, quanta lembrança,
ainda criança,
já com comércio aberto,
loja com clientela farta,
na rua, no bairro, na terra que foi minha,
na rua que subia, tão próxima do campo,
família que dependia do que vendia,
paneiro que já não era,
caixeiro que deixou de ser,
filha do dito que foi sua mulher,
comerciante de gabarito,
fez uns tostões, comprou casas, terras,
criou descendentes numa amálgama tão diferente,
sociedade de então,
quase sem tostão,
livro de assentamentos, dívidas pagas ao sábado,
com um sorriso, tão discutido, quase rogado,
pobre, descalça, sofrida, numa vida sem vida,
numa chegada, numa partida,
num olhar de soslaio, num desenrascanço,
agora lhe chamam diáspora,
numa fuga constante, num deixar para trás,
num tanto faz,
com muita trabalheira, tanta canseira,
quanto sonho realizado,
com muito cuidado,
estudando para melhorar situação,
fuga de tudo que fosse negociata,
derivei,
não sendo tonto ou patarata,
não tendo qualquer inclinação, simples jeiteira,
para negócio, lavoura, comércio ou feira,
bem o sei,
num rumo definido, continuidade, irmão,
comerciante, sem novidade,
loja do pai,
a coisa ia, a coisa vai,
vai que não vai... a coisa cai...
surgem cadeias de distribuição,
Shoppings em barda,
atracção fatal de qualquer mortal,
afluência de gente, clientela passada,
sem ninguém, comércio tradicional,
quase SEMPRE deserto,
concorrência desleal, início do fim,
de sul a norte, de este a oeste,
toda a geografia nacional,
quanto sofreste...
o tempo vai-nos ajudando,
vai-nos fazendo esquecer,
vai-nos mudando, fazendo mudar,
de, feroz adversário,
dei em cliente habitual,
rotina diária, pensamento contrário,
aceito, utilizo, quase abuso,
já não os culpo pelos negócios fechados,
lojas tão débeis,
mais pujantes, muito antes
de... antes...
águas passadas não movem moinhos,
catedrais do consumo estão no seu tempo,
aglutinação de várias actividades,
conglomerados vários, coloridos,
engalanados nas épocas apropriadas,
sempre vendendo, dando a ganhar,
convencimento,
marketing feroz, rivalidade que satisfaz apetites,
promoções que nos fazem ganhar uns tostões,
créditos, cartões,
dinheiro vivo, na hora, banca ali bem perto,
dentista que nos serve,
restaurantes que satisfazem,
quando nos preenchem, nos trazem
satisfeitos, contentes, felizes
que nem uns petizes,
convencidos, mimados caprichosamente,
filme da tarde, à noite também,
passatempo, uma que outra fardamenta,
roupa apropriada, vestimenta,
assim o penso,
como me conheço,
não o escondo,
falo com muito gosto dos meus ancestros,
tão comezinho como sou,
vulgar, recordando avó e avô,
pais e toda a família,
fazendo parte deste cantinho tão desbaratado,
maravilha de olhos, sentimentos de vulto,
adoração, quase culto,
infelizmente... desgovernado!!!... Sherpas!!!...