... dá para rir... chorando!!!...
Não chateiem o dr. Jardim!
Sérgio de Andrade, Jornalista
No antigo regime, havia notícias que circulavam apenas em duas publicações o então "Diário do Governo" e o "Diário das Sessões" da então Assembleia Nacional. Só esses não iam à Censura e a sua leitura, portanto, dava-nos informações, de fonte fidedigna, impossíveis de conseguir em qualquer outro lugar. Numa altura em que se gritava que Portugal era um só, do Minho a Timor, deu-me particular gozo ler um dia, no "Diário do Governo", um decreto que, lembrando ser a greve proibida em Portugal, a permitia no "portuguesíssimo" território de Macau. Para que conste, aí quem mandava era Pequim - e, embora Pequim não fosse exactamente liberal em matéria de direitos, o da greve incluído, mesmo assim impunha-o em Macau, creio que apenas para humilhar as autoridades portuguesas.
Recordo isto porque, agora que Portugal continua a ser um só, mas mais modestamente do Minho ao Corvo, me parece que está a repetir-se o episódio macaense. Na verdade, haverá partes do território nacional que não dependerão de Lisboa, na medida em que certas coisas impostas a todo o país não se aplicam, na prática, a uma das suas parcelas. Na Madeira, Sócrates (e quem diz Sócrates diz o Parlamento, e nem sei se o PR) não impõe nada - ou só impõe o que o dr. Alberto João Jardim deixar. A lei que regula a interrupção voluntária da gravidez já entrou em vigor em Portugal - mas na Madeira não. Em defesa da vida, diz às vezes o dr. Jardim, porque não tem dinheiro para essas coisas, diz outras vezes. Recorre para o Tribunal Constitucional e espera que lhe dê razão, como lhe deu no caso da lei das incompatibilidades, válida para os políticos portugueses - mas só os do continente.
Em declarações à Imprensa, o dr. Jardim foi categórico a IVG não funciona na Madeira, nem as madeirenses têm o direito de sair do arquipélago para abortar. E, quando um (um...) jornalista lhe fez uma pergunta incómoda, recebeu esta flor da retórica jardinesca: "Você quer fazer um aborto? Não? Então, não me chateiem!".
Enquanto espero para saber se o dr. Jardim vai acatar, ou não, a decisão que inclui o aeroporto do Funchal entre aqueles em que de noite não pode haver aterragens e descolagens, fico com a certeza de que não vale a pena Lisboa julgar ingenuamente que manda no país inteiro, pois, se Salazar teve o seu Macau incómodo, Sócrates tem a sua Madeira incómoda. Até quando? Ora, até quando quiser o dr. Jardim. Entretanto, façam o possível por não chatear o homem!
Sérgio de Andrade escreve no JN, semanalmente às terças-feiras.
... com a devida vénia!!!... Sherpas!!!...